Eu e Meu Avô Nihonjin é uma contribuição notável para a animação brasileira. O longa-metragem destaca-se não só pela sua sensibilidade, mas por ser a primeira produção a mergulhar de forma tão íntima na história da imigração japonesa no Brasil. Dirigido por Célia Catunda, uma das criadoras de sucessos como O Show da Luna!, o projeto tem raízes profundas, inspirado no livro vencedor do Prêmio Jabuti, Nihonjin, de Oscar Nakasato. Para dar vida a essa rica herança cultural, o filme adota uma estética visual marcante: a direção de arte é influenciada pela obra do artista plástico nipo-brasileiro Oscar Oiwa, e a trilha sonora, que celebra o diálogo cultural, é orquestrada pelos renomados André Abujamra e Marcio Nigro, solidificando seu valor artístico e histórico.
Sinopse
O jovem Noboru (Pietro Takeda), um garoto brasileiro de 10 anos e descendente de nipônicos, embarca em uma jornada para desvendar as origens de sua família. Ele busca em seu avô, Hideo (Ken Kaneko), um imigrante do Japão rígido e amargurado pelas provações do passado, as memórias que ele sempre hesitou em compartilhar. Ao encorajar o avô a se abrir sobre a difícil vida no Brasil, Noboru não apenas se conecta com o legado da imigração japonesa, mas também faz uma descoberta surpreendente e secreta: a existência de um tio de quem ele nunca tinha ouvido falar, mergulhando na trama familiar para preencher as lacunas do seu próprio passado.
A relação de avô e neto é o coração da animação
O foco central da narrativa reside na relação entre avô e neto que, aparentemente distantes no início, gradualmente constroem um afeto ao longo da trama. A barreira entre os dois começa a ser quebrada quando Noboru passa a fazer perguntas do passado de seu avô para um trabalho do colégio sobre o histórico familiar. A rigidez de Hideo passa a fazer sentido quando entendemos como seu passado como imigrante no Brasil foi difícil. Sua determinação de tentar manter a tradição japonesa viva mesmo morando aqui acaba sendo um grande embate com seu filho caçula, que quer abraçar nossa cultura. Noboru passa a se identificar com esse tio e se questiona por que nunca tinha ouvido falar dele antes.
A identidade nipo-brasileira
Toda essa história familiar é um grande pretexto para falar da complexidade da questão da identidade nipo-brasileira. Ela vai além de apenas querer mostrar as lutas enfrentadas pelos primeiros imigrantes japoneses no Brasil. O longa-metragem discute, ainda que de forma acessível ao público jovem, a dor de precisar deixar parte de sua tradição para trás para poder se encaixar em uma nova terra, com novos costumes e nova cultura. Esse anseio por pertencimento, por muitas vezes, resultava no silenciamento das memórias e da língua materna. Quando o enredo traz o segredo familiar à tona, o espectador é convidado a refletir sobre o que significa ser uma ponte entre duas culturas bem diferentes, honrando as origens sem deixar de pertencer ao presente brasileiro.
Direção de arte e trilha sonora
A estética visual da animação é simples, eficiente e cativante. A direção de arte, inspirada na obra do artista nipo-brasileiro Oscar Oiwa, utiliza a técnica de animação 2D desenhada à mão para criar um visual que simultaneamente remete às tradições artísticas nipônicas e ao calor da cultura brasileira. No campo sonoro, a trilha original de André Abujamra e Marcio Nigro é um elemento de união cultural. A música mistura instrumentos tradicionais japoneses, como o shamisen, com ritmos e timbres brasileiros, criando uma ambientação que é ao mesmo tempo exótica e familiar, reforçando a mensagem da obra sobre a fusão de culturas.
Alguns pontos negativos
A obra possui inegáveis qualidades estéticas e importância cultural, mas apresenta alguns pontos negativos. A narrativa, por muitos momentos, é lenta propositalmente. Embora compreenda que a lentidão seja proposital para o desenvolvimento do enredo, por vezes senti que a narrativa se alongava desnecessariamente, gerando a sensação de “enrolação” a ponto de pensar “conta logo isso”. Entendo também que era preciso desenvolver a relação intergeracional para que os dois protagonistas chegassem mais juntos na parte final. Outro ponto reside na falta de aprofundamento em certos momentos familiares, que são apenas sugeridos, resultando em pontas soltas. Tive a impressão também que a única questão que interessava era o paradeiro do tio de Noboru.
Conclusão
Eu e Meu Avô Nihonjin é uma bela animação nacional e um filme com grande relevância cultural. A produção demonstra a vitalidade das obras nacionais e a capacidade de contar histórias íntimas e universais com apuro técnico e emocional. Por sua sensibilidade, profundidade temática e beleza estética, o longa-metragem é altamente recomendado para famílias, estudantes e qualquer pessoa interessada em dramas intergeracionais e no legado da imigração. É um convite poético à reconciliação com o passado e à celebração da identidade multifacetada.
Eu e Meu Avô Nihonjin estreou nos cinemas em 16 de outubro.