Malês é um filme brasileiro dirigido por Antonio Pitanga (Na Boca do Mundo). A obra cinematográfica, de grande relevância histórica e afetiva, foi concebida pelo cineasta há mais de três décadas. Ambientado na Salvador de 1835, o drama resgata o Levante dos Malês, a maior insurreição urbana de escravizados no Brasil, protagonizada por africanos muçulmanos. Parte da família de Pitanga está no elenco: ele surge em cena ao lado dos filhos, Camila Pitanga (Velho Chico) e Rocco Pitanga (O Novelo), transformando o projeto em um tributo à ancestralidade e à resistência negra. O longa-metragem se propõe a dar voz e dignidade a um episódio fundamental e muitas vezes silenciado da história nacional.
Sinopse
Na Salvador de 1835, dois jovens muçulmanos recém-casados são brutalmente separados ao serem sequestrados na África e escravizados no Brasil. Enquanto lutam para sobreviver à crueldade do cativeiro e buscam um reencontro, suas vidas se entrelaçam com os preparativos da Revolta dos Malês. Esta insurreição, planejada por africanos de origem islâmica, representa um grito de resistência e a maior tentativa de levante organizado por negros escravizados da história do Brasil, questionando a ordem escravocrata e lutando pela liberdade em uma sociedade opressora.
O protagonismo negro
Um dos grandes méritos do filme reside em centralizar o protagonismo negro, uma urgência histórica e estética do cinema brasileiro. Antonio Pitanga realiza um sonho de vida ao dirigir e atuar neste projeto, buscando romper com a representação do negro escravizado como vítima passiva. A produção intencionalmente se concentra na inteligência, na organização e na espiritualidade dos Malês, mostrando-os como “cabeças pensantes” e detentores de vasto conhecimento, desafiando a visão estereotipada e focada apenas na violência física que por vezes domina as narrativas sobre escravidão.
O Levante de 1835
“Malês” significa muçulmano, e esse nome é importante para trazer à tona a importância da fé islâmica como elemento de união e força entre os revoltosos. A insurreição foi organizada para acontecer no final do Ramadã, mês de jejum e devoção na fé islâmica. A luta pela liberdade e a dignidade foram constantes na história dos escravizados, mas pouco abordadas. A Revolta dos Malês foi um episódio crucial e um marco histórico da resistência negra no Brasil. Cerca de 600 africanos, em sua maioria muçulmanos, ganharam as ruas em busca de liberdade. Filmes como esse são importantes para que o passado não se repita nunca mais.
Aspectos culturais e religiosos
Imagine ser levado à força de seu país para outro completamente averso ao seu e ser obrigado a aceitar os novos costumes. Ao aceitarem que é praticamente impossível voltar para casa, os Malês decidem fazer daqui o seu novo lar e, assim, começam a incorporar suas referências culturais e religiosas. Passam a falar em árabe, fazem cumprimentos islâmicos e fazem menções a elementos de fé, como a mesquita e a escrita. Isso tudo destaca a complexidade e a sofisticação cultural que existia entre os africanos trazidos à força. Todos esses elementos enriquecem o filme, mostrando que a luta pela liberdade era também uma luta pela preservação de uma identidade religiosa e cultural que era oprimida pelo sistema escravocrata brasileiro. É evidente que isso tudo incomodava os senhores de escravos brancos, o que os levava a puni-los para manter a obediência e o controle. Assim, foram construindo, aos poucos, o motivo para o levante.
Conclusão
Malês é um filme de enorme importância simbólica e política, essencial para preencher uma lacuna na memória coletiva brasileira ao resgatar o maior levante urbano de escravizados. O diretor demonstra coragem ao dar luz a uma história silenciada e faz um forte apelo à ancestralidade e ao protagonismo negro. O excessivo didatismo em alguns momentos não diminui o valor cinematográfico, mas pode torná-lo um pouco rígido para alguns. Minha recomendação fica para todos que buscam narrativas mais profundas sobre a história do Brasil, especialmente para o público jovem e para discussões em ambiente escolar.
Malês está disponível nos cinemas.

